sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Poldark: uma grata surpresa nestas férias


O período de férias da faculdade é um ótimo momento para pôr as séries em dia e começar a acompanhar séries novas. Procurando na internet episódios de Emma (série de 2009 da BCC), acabei me deparando com o nome Poldark, que despertou a minha curiosidade. A sinopse da série, cuja primeira temporada foi exibida entre março e abril de 2015 pela BBC One, pareceu-me interessante e resolvi baixar o primeiro episódio. Logo fiquei encantada pela história do capitão Ross Poldark (Aidan Turner, trilogia O Hobbit e Being Human), em seu complicado retorno à Inglaterra após lutar na Guerra de Independência dos Estados Unidos.

A primeira temporada da série tem oito episódios e retrata a década 1780 - uma década crucial para o mundo contemporâneo, por assinalar o início da Revolução Industrial e o fim do Antigo Regime. Baseada na série de romances históricos conhecida como Poldark Novels (são doze livros!) do escritor inglês Winston Graham, Poldark é uma série que vai agradar a quem gosta de aventura, romance e, é claro, história!

* O comentário abaixo contém spoilers. Recomendo assistir aos episódios antes de ler.

A sequência inicial da série nos apresenta Ross Poldark e seu regimento em uma floresta na Virgínia, em 1781, quando são surpreendidos por tropas americanas - ao que tudo indica, essa é uma representação dos conflitos em Yorktown, batalha em que os soldados comandados por George Washington saíram vitoriosos e culminou com a rendição inglesa e, posteriormente, o reconhecimento da independência dos Estados Unidos com o Tratado de Paris (1783).


Apesar de não ser longa, essa cena apresenta elementos interessantes. Enquanto joga cartas com um companheiro e recebe uma reprimenda de seu superior, Ross lembra que só se alistou para fugir da prisão, dadas as confusões em que se envolvia. Para o comandante, era vergonhoso que as tropas fossem compostas de homens como Poldark, vagabundos e ladrões, mas lutar pela nação e pelo rei, ao menos, poderia redimi-los. Ross dá um sorriso sarcástico ao ouvir essa opinião, o que deixa o seu superior furioso. Este questiona se Poldark estava duvidando do quão justa era a causa pela qual a Inglaterra lutava. Como resposta, Ross indaga ao seu comandante sobre que causa afinal seria essa: liberdade ou tirania?

Mas não há tempo para uma nova bronca, já que o grupo é atacado por norte-americanos. Após a luta, vemos Ross Poldark desacordado no campo de batalha. Há, então, um corte e já o vemos dois anos depois, retornando a sua terra natal, Cornwall (Cornualha). Como havia ficado na América por três anos e notícias suas não chegavam à Inglaterra, todos em Cornwall acreditavam que o rapaz estivesse morto.


Seu retorno, então, causa espanto a todos. E logo Ross percebe que as coisas na Inglaterra estão bem diferentes. Descobre que seu pai morreu e o que lhe sobrou de herança é uma propriedade com uma casa praticamente em ruínas, um solo estéril e duas minas abandonadas. Para piorar, Elizabeth (Heida Reed), por quem sempre foi apaixonado e que esperava reencontrar quando retornasse da guerra, estava agora prestes a se casar com seu primo, Francis Poldark (Kyle Soller). 

Com seu ressurgimento inesperado, Ross acaba se tornando um estorvo para a família Poldark, já que representa uma ameaça ao casamento de Francis e Elizabeth e também um rival do primo nos negócios e na liderança, digamos assim, do clã. Apenas a prima Verity (Ruby Bentall) fica realmente feliz com a sua volta. Elizabeth, presa às convenções sociais, não consegue desfazer seu noivado com Francis. Sozinho e desamparado, Ross precisará arregaçar as mangas para se reerguer. O que não será fácil, já que suas atitudes, como seu bom relacionamento com os mineiros, desagradam bastante à sociedade de Cornwall.


Embora a guerra não seja muito explorada na série, percebe-se que ela deixou marcas em Ross, que vão além da cicatriz em seu rosto. E as surpresas desagradáveis que teve ao retornar à Inglaterra o tornam um homem mais sério e preocupado com aqueles que o rodeiam. Apesar de desejar Elizabeth, ele não interfere em seu casamento com Francis. E, ainda que tudo conspirasse contra Ross e que sua ruína estivesse a um passo, nosso herói encontra alguém que muda completamente seu destino e será sua grande companheira em seus empreendimentos, a jovem Demelza (Eleanor Tomlinson). Podemos notar ao longo dos episódios que a ruiva, mais do apoiar Ross, faz com que ele consiga amar novamente.


Nobres, burgueses e mineiros: uma sociedade em transformação

O historiador inglês Eric Hobsbawm, em sua análise sobre a Revolução Industrial, considera a década de 1780 como o seu real início, embora inovações técnicas fossem percebidas anteriormente, principalmente desde os anos 1760. O autor observa que a Inglaterra no final do XVIII não tinha um campesinato de fato, como em outras partes da Europa. A maioria dos trabalhadores das áreas rurais já era assalariada. E esse é um aspecto abordado pela série. A classe mais empobrecida na Cornwall de Poldark é a dos mineiros - há agricultores e pescadores também, mas os mineiros surgem como o grupo mais representativo. 

No entanto, a mineração, principal atividade econômica da região, dominada pelas famílias tradicionais, tem nesse período muitos altos e baixos - o preço do cobre não estava dos melhores e o investimento em uma mina é alto e arriscado. A Coroa, por vezes, intervém, fechando algumas minas e outras deixam de produzir, o que leva muitos membros dessa nobreza rural à falência. Outros, por outro lado, aproveitam o momento para enriquecer: são os burgueses que fornecem empréstimos aos donos das minas - caso dos Warleggan. E, ainda, de forma paralela, a luta por melhores salários e as revoltas dos mineiros tornam-se constantes.

Não chegamos a ver pequenas manufaturas, fábricas de tecido e nem minas de carvão, pois o cobre é o minério mais cobiçado em Cornwall. Mas ele seria fundamental para uma fase posterior da Revolução Industrial, já que é um ótimo condutor de eletricidade. Além disso, Ross tem a ideia de se associar a outros donos de minas para montarem sua própria fundição e poderem conseguir melhores preços no mercado.


Uma família que acaba se sobrepondo em Cornwall é a dos Warleggan. Antigos ferreiros e comerciantes, eles enriquecem rapidamente com o oferecimento de empréstimos à nobreza falida da região - o que será a ruína dos Poldark de Trenwith. Não se trata ainda do capitalismo financeiro do século XIX, mas os Warleggan são burgueses que ascendem rapidamente, incorporando o patrimônio que as famílias tradicionais vão perdendo. Curiosa é a necessidade aprovação por parte da sociedade que George Warleggan (Jack Farthing) tem - ele sente que os Warleggan, ainda que tenham mais dinheiro, não desfrutam de todos os privilégios que o tradicional nome dos Poldark oferece, ainda que estes estivessem em decadência.

O fato de considerar que não havia mais espaço para o trabalho servil e que todos deveriam receber uma boa remuneração por seus serviços causa atritos entre Ross e os outros donos de minas, inclusive seu primo Francis. Afinal, um salário maior atraía muitos mineiros para a mina de Ross. 

E Poldark trabalha junto com seus contratados na extração do minério. Considera-os como amigos e procura sempre ajudá-los, como no caso do jovem casal James e Jinny. Isso, é claro, não é visto com bons olhos pelos mais abastados de Cornwall. Há uma cena interessante em que o tio Charles Poldark observa ao filho Francis que a presença de Ross na mina fazia toda a diferença, explicava por que o sobrinho conseguia prosperar, apesar das dificuldades - afinal, conforme o nosso ditado popular, "é o olho do dono que engorda o boi"...


Ross não é perfeito, tem consciência das diferenças sociais e sabe que muitas vezes ele próprio "não consegue enxergar o que está diante de seu nariz", como diz certa vez a Demelza. Mantém por muito tempo uma relação estritamente de patrão e empregada com Demelza, sendo tratado como o senhor da casa. É claro que com o tempo as coisas vão mudando, mas Ross se esforça por manter essa distância e hierarquia - talvez até para proteger a reputação da moça. O que se percebe é que Ross ocupa uma posição ambígua, pois carrega o nome da importante família Poldark, mas não se identifica com sua classe. E cada vez mais Ross sofre com esses conflitos de classe, especialmente ao ver o tratamento que a justiça de Cornwall dispensa a James e a forma como gente como a desagradável Ruth Teague se refere a Demelza.

O casamento de Ross e Demelza, aliás, é um grande escândalo para a sociedade de Cornwall - como poderia um Poldark casar-se com sua cozinheira? Ou, antes mesmo disso, a acolhida que Ross dá à jovem em sua propriedade gera muitos mexericos, pois a moça tinha família e foi trabalhar para um homem solteiro e se recusou a voltar para a casa do pai - um homem bruto, que a espancava constantemente e sabe-se lá que outro tipo de abusos cometia. Esperta e atenta aos passos do patrão, Demelza passa a acompanhar Ross em suas idas à cidade para fazer negócios e se torna seu braço direito em Nampara, além de sua confidente.

Valente


Demelza com seus revoltos cabelos vermelhos é quase que a versão em carne e osso da Merida de Valente. Ela é tão impulsiva e corajosa quanto a heroína do filme da Pixar. Não está nem aí para os comentários maldosos que a cidade fazia sobre ela e Ross. É espontânea e luta por seu amor - o oposto de Elizabeth. E sua transformação ao longo da temporada é impressionante, mas crível: de moleca espevitada a uma dama da sociedade.

Seu amadurecimento se dá no convívio com Ross, à medida em que sua admiração pelo homem que a salvou vai se transformando em amor. Quando Poldark a defende na cidade e os dois se conhecem, ela está com roupas masculinas; quando Ross finalmente a enxerga como mulher desejável, Demelza está usando o vestido verde que fora de sua mãe.

O cavaleiro andante da Cornualha

As tomadas das paisagens da região de Cornwall - a pontinha sudoeste da Ilha da Grã-Bretanha, mais voltada para o Atlântico - são um dos pontos altos da série, na minha opinião. São lindas as sequências em que vemos Ross cavalgando à beira-mar e Demelza andando nos campos floridos.


Há várias cenas importantes em que Ross "resgata" Demelza em seu cavalo: quando e ajuda na cidade e, a princípio, pretende levá-la para o pai em Luggan, mas acaba por convidá-la para trabalhar com ele; quando vai procurá-la nos campos após brigar com o pai da moça (que se esconde para não ser levada); quando a impede de ir embora e a pede em casamento, entre outras.

E o que é Aidan Turner, não? Encantador e ótimo no papel. Um "incentivo" para que eu continue acompanhando a série.

Concluindo (por ora)...

Assistir aos cinco primeiros episódios de Poldark, sobre os quais me centrei neste texto, foi uma experiência bem interessante, pois eles me lembraram bastante de aulas de História da América, Moderna e Contemporânea que tive na nos últimos semestres na UFRRJ.

Poldark foi realmente um achado. Curioso é que poucos blogs sobre séries no Brasil comentaram algo sobre a série. Espero que a segunda temporada mantenha a qualidade e conquiste mais fãs por aqui. Pretendo acabar de ver a primeira temporada e comentar mais sobre a série em postagens futuras.

Pelo que andei lendo, Poldark é a aposta da BBC para conseguir captar os órfãos de Downtown Abbey, da rival ITV, que está em sua última temporada. Quarenta anos antes, em 1975, a BBC adaptou pela primeira vez a obra de Graham, produzindo uma série de muito sucesso. A escolha por fazer essa nova adaptação de Poldark em 2015 foi também uma homenagem da rede de tv britânica a sua própria história.

Veja abaixo o trailer da série:



Mais informações:
BBC
Imdb
Wikipedia

3 comentários:

  1. Não sei também porque a serie foi exibida tão tarde e sem nenhuma propaganda já que fez um sucesso estrondoso na Europa e Estados Unidos. Por aqui mal ouvi falar. Comecei a ver por curiosidade num dia de insônia, já que era mais de uma da manhã.

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