quinta-feira, 31 de março de 2016

A segunda temporada de Being Human: tensão em dobro


Após uma primeira temporada bem cativante, que nos apresentou o trio de protagonistas Mitchell (Aidan Turner), Annie (Lenora Crichlow) e George (Russell Tovey), Being Human retornou com um maior número de episódios (agora oito) e elevando a tensão e o drama a pontos até então não vistos na série. 

Nessa segunda temporada, que considero a melhor entre todas, Being Human dá uma maior ênfase aos elementos sobrenaturais e também à crítica social. A série criada por Toby Withouse conseguiu assumir contornos mais épicos e adquiriu um tom mais sombrio, sem perder, contudo, a qualidade demonstrada em seu primeiro ano.

Menos risos, mas mais reviravoltas, sustos e... sangue!

* O comentário abaixo contém spoilers. Recomendo assistir aos episódios antes de ler.

Ao final da primeira temporada de Being Human alguns fatos importantes ocorreram e eles terão desdobramentos nessa nova temporada: Annie se recusou atravessar a sua porta (isto é, sua passagem para o Além), ao ver Mitchell em perigo; Mitchell, decepcionado com a humanidade, decide se reintegrar à sociedade vampiresca, mas seu reencontro com Josie o faz repensar sua decisão; George, na transformação em que estraçalhou Herrick, acabou ferindo Nina; e Owen, surtado com tudo o que viu/ouviu, procurou a polícia e contou sua história a um homem misterioso.


Com a morte de Herrick, os vampiros de Bristol ficam descontrolados, atacando aleatoriamente, e o pessoal que ajudava a encobrir os crimes, como o médico legista do hospital da cidade e o chefe de polícia, agora sem a contrapartida de um líder dos vampiros, também estão desorientados, sem saber como proceder. O problema é que as mortes cometidas pelos vampiros, que agora não são mais escondidas, começam a chamar a atenção da imprensa e da opinião pública, colocando o segredo da vampirada em perigo. Para piorar, no hospital, uma nova médica, Lucy, também desconfia que há algo errado com algumas mortes e o legista vislumbra a possibilidade de abandonar o esquema, agora que Herrick não está no comando.


Diante dessa situação caótica, após muito relutar, John Mitchell decide tomar para si a missão de botar ordem no coreto. Entra em contato com autoridades de Bristol, a fim de continuar o esquema, mas não quer levar adiante o plano de Herrick de recrutar o máximo de vampiros possível e dominar o mundo.

Na verdade, Mitchell pretende seguir o caminho inverso: monta uma espécie de "A. A." dos vampiros, um grupo de ajuda para os que, como ele, estão largando o vício em sangue, querem ficar "limpos". Para apoiá-lo em sua tarefa, Mitchell conta com a ajuda de Ivan, um dos "Old Ones" (os lendários vampiros mais antigos), o que legitimaria mais o seu intento, dado o respeito que todos têm por Ivan - embora tudo seja de fachada.


No fundo, todas as ações de Mitchell à frente da sociedade de vampiros não passam de jogadas políticas. Afinal, nem tudo são flores: para ser um líder, Mitchell, por mais que tenha boas intenções, será obrigado a fazer coisas desagradáveis e cruéis. Trata-se do questionamento feito por Maquiavel em O Príncipe: para um líder, é melhor ser temido ou ser amado? Bem, para o pensador italiano, "A resposta é de que seria necessário ser uma coisa e outra; mas, como é difícil reuni-las, em tendo que faltar uma das duas é muito mais seguro ser temido do que amado". No decorrer dos episódios, Mitchell não tardará a perceber isso.


Depois de acabar com Herrick, George torna-se uma "celebridade" entre as criaturas sobrenaturais locais, atraindo especialmente a atenção do casal de vampiros Ivan e Daisy (sobretudo desta, que fica encantada com o lobo). Mas ele ainda tem outros problemas. Nina realmente foi infectada pela maldição da licantropia e se transforma em lobisomem. Mas ela não consegue lidar bem com sua nova condição e George acaba se sentindo culpado. A relação amorosa dos dois fica abalada e eles decidem se afastar por um tempo.

Nina, bastante fragilizada, acaba sendo comprada pelo discurso salvacionista de Kemp e Jaggat, que prometem "curá-la". George, por sua vez, decide reconstruir sua vida como uma pessoa comum, procurando conter o lobo, arrumando um emprego melhor e indo morar com sua nova namorada, Sam.


Já Annie começa a temporada com problemas "mais normais" que os companheiros. Como agora pode ser vista por todos, ela decide arrumar um emprego no pub da rua onde moram. Aos poucos, as coisas se complicam, já que o pessoal do Purgatório ficou irado com ela por não ter atravessado sua porta no momento apropriado. Assim, algumas mortes bizarras ocorrem perto de Annie, para que ela seja arrastada à força para o Purgatório. Felizmente, Sykes, um fantasma velho de guerra (literalmente), mostra à nossa heroína que é possível ficar na Terra, fugindo das portas, ajudando-a com dicas valiosas.


Nessa temporada, as sequências iniciais são menos filosóficas que as da primeira. Agora, os prólogos são utilizados para explicar acontecimentos do passado, como o histórico dos vampiros de Bristol, o trauma sofrido por Kemp, o encontro de Ivan e Daisy na Segunda Guerra ou Mitchell e Herrick em ação nos anos 1960. Aliás, o quinto episódio é o mais interessante do ponto de vista de recursos narrativos, já que intercala duas temporalidades (1969 e 2010). E a trilha sonora continua sendo um ponto positivo da série - tocar “Lullaby”, do The Cure, logo no primeiro episódio, é até covardia.

Ciência e religião

As relações entre ciência e religião ou o modo como estes dois campos do conhecimento humano lidam com o sobrenatural são temáticas que dominam toda esta temporada. Kemp, que havia aparecido no fim da temporada anterior, configura-se como o grande "vilão" do segundo ano da série. O grupo religioso que comanda auxilia as pesquisas desenvolvidas pelo misterioso Professor Jaggat (cuja identidade só será revelada na segunda metade da temporada, uma das mais importantes reviravoltas da série, por sinal). Em sua teoria, Jaggat descreve a existência de um gene responsável pela maldade humana. Tal posicionamento foi, é claro, refutado pelo meio científico, mas foi muito bem recebido por um fundamentalista religioso como Kemp.


Assim, as experiências bizarras comandadas por Kemp e Jaggat no CenSSA (The Centre for the Study of Supernatural Activity) chamam bastante a atenção nesses episódios. As cenas da câmara em que os lobisomens são aprisionados durante sua transformação são dignas de um filme de horror tipo A Mosca (The Fly, de 1986), de David Cronenberg - fiquei lembrando da cena do babuíno "invertido" na cabine de Brundle. Jaggat acredita que, aprisionados em uma câmara pressurizada, na qual estivessem isolados das condições naturais que os levariam às transformações (lua e marés), os participantes da pesquisa poderiam enfrentar o fenômeno da lua cheia sem virarem lobisomens. Porém, os experimentos nunca dão certo e vários lobisomens acabam morrendo.

Kemp e Jaggat adotam uma classificação, que continuará sendo utilizada na série nas próximas temporadas, para as criaturas "malignas" que estudam: os vampiros são o chamado "Tipo 1", os fantasmas o "Tipo 2" e os lobisomens o "Tipo 3". Os experimentos do CenSSA delineiam uma importante reflexão sobre a ética na ciência - já que Jaggat sobrepõe os objetivos de sua pesquisa à dignidade e à vida humana. E os dilemas de Jaggat sobre a fé e sobre a maldade lembram os questionamentos da Dra. Shaw em Prometheus.


De quebra, no sexto episódio, ainda ouvimos da boca do reverendo Kemp possíveis fundamentos bíblicos para a existência dos vampiros. Entre eles, Mateus 26,27-28 ("27.  Tomou depois o cálice, rendeu graças e deu-lho, dizendo: Bebei dele todos, / 28. porque isto é meu sangue, o sangue da Nova Aliança, derramado por muitos homens em remissão dos pecados.") e João 6,50-58 (mais especificamente no versículo 54: "Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia.").

Não sou tão conhecedora assim da Bíblia, mas sei que em outras passagens do livro sagrado dos cristãos, especialmente no Gênesis, existe uma condenação àqueles que se alimentam de sangue e que essas passagens do Novo Testamento referenciadas na série expressam, na verdade, o pacto de Jesus firma com a humanidade no episódio da Santa Ceia. Mas que os roteiristas da série pegaram trechos que apresentam bastante similaridade com o vampirismo, isso é inegável. Uma boa sacada, na minha opinião.



Relações perigosas
Being Human tem como ponto forte os relacionamentos entre seus personagens. Nessa segunda temporada, o casal fofo Nina e George ficou estremecido, mas, ao final, conseguiu se reconciliar. Nesse meio tempo, George deu uma “escapada” com Daisy e se envolveu com a colega de trabalho Sam. Infelizmente para Sam as coisas não terminaram muito bem...

Annie, por sua vez, despertou o interesse do patrão Hugh e ficou encantada pelo bonitão Saul, mas isso quase a leva de vez para o Purgatório. De maneira geral, achei algumas situações nas quais Annie se envolveu na temporada mais bobinhas, se comparadas aos problemas enfrentados George e Mitchell. Mas o reencontro com a mãe e a cena em que enfrenta a própria morte foram boas.

Devido ao seu envolvimento com a sociedade dos vampiros, Mitchell se afastou bastante dos amigos Annie e George nesse segundo ano. Acho que essa é a grande diferença em relação à primeira temporada, que tinha bem mais humor, até por conta das situações inusitadas resultantes da convivência em uma mesma casa de um vampiro, um lobisomem e uma fantasma.

Mitchell se apaixona por Lucy, de maneira tão intensa quanto amou Josie no passado - a mesma que salvou a vida do vampiro na primeira temporada e que aqui vemos em um flashback, em que percebemos que ela é a peça-chave na opção de Mitchell pela humanidade. Porém, com Lucy as coisas terão um rumo bastante diferente...

O casal Ivan e Daisy, ele com seu charme de lorde inglês e ela com sua sexualidade aflorada, são um destaque na temporada. Ivan será o braço direito de Mitchell em sua liderança junto aos vampiros e Daisy também terá importante papel em sua vingança contra a humanidade.

A ira de Mitchell

Mitchell é, disparado, meu personagem favorito de toda a série (juro que o fato de ter sido interpretado por Aidan Turner não tem nada a ver com isso, rs). Falando sério, ele é o personagem mais complexo, com mais dilemas morais, o que ama mais furiosamente e também o que é capaz dos atos mais perversos – seria o mais humano? Mitchell é mais um anti-herói que um herói propriamente. Exerce sobre nós aquele mesmo fascínio que Heathcliff, de O morro dos ventos uivantes, ou, ainda, Darth Vader, de Star Wars, pois, mesmo quando percebemos as atrocidades que pode cometer, tendemos a procurar alguma virtude em suas ações.

Ele personifica a luta entre o bem e o mal, entre o que nos torna mais humanos e o que nos torna monstruosos. A morte de Ivan e de vários outros vampiros na B. Edwards e, principalmente, a traição de Lucy, o fazem agir cegamente, deixando-se levar pelo impulso da vingança, sem pensar nas consequências de seus atos. Esse não é um tema novo na literatura ocidental, está presente em uma das grandes epopeias clássicas, A Ilíada, de Homero. Como não enxergar um paralelo entre a retaliação sanguinária de Mitchell e a cólera de Aquiles?

A sequência do massacre no trem é impressionante e, junto com cenas como as dos experimentos de Jaggat e Kemp e das jovens mortas em Londres em 1969, é uma referência aos filmes de terror e horror dos anos 1980. Realmente, os episódios do segundo ano de Being Human conseguem despertar medo, aflição e até mesmo repulsa no espectador, como não acontecia antes - o que é ótimo, na minha opinião.

O que vem por aí?
Como ganchos para a temporada seguinte ficam o destino de Annie, as consequências dos crimes de Mitchell, Nina e George como um casal de lobisomens e, principalmente, a volta de alguém que pensamos que estava bem enterrado. Mas isso é assunto para postagens futuras.


Mais informações sobre Being Human:

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